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Limitações da Lei Áurea

As limitações da Lei Áurea (apesar dessa ter concretizado a abolição da escravidão no Brasil) evidenciam a falta de ações em melhorar a vida dos libertos.
Com a Lei Áurea, os libertos procuraram novas formas de sustentar-se e muitos abandonaram os seus antigos locais de trabalho.
Com a Lei Áurea, os libertos procuraram novas formas de sustentar-se e muitos abandonaram os seus antigos locais de trabalho.

O 13 de maio de 1888 é um dia marcante na história brasileira porque se trata do dia em que a escravidão foi abolida por meio da Lei Áurea. A questão da abolição do trabalho escravo foi debatida na política brasileira ao longo de todo o século XIX, e o decreto da abolição foi resultado de uma intensa campanha popular, que, junto da resistência escrava, literalmente forçou o Império a abolir o trabalho escravo.

A Lei Áurea foi um marco para o Brasil, e, passados mais de 130 anos dela, hoje conseguimos analisar bem suas limitações. Os escravos garantiram sua liberdade, mas não receberam incentivos para sobreviverem, e muitos continuaram sob relações de exploração intensa. De toda forma, é importante entendermos os acontecimentos que se passaram e as mudanças que ocorreram após essa lei.

Acesse também: As leis abolicionistas aprovadas no século XIX

Antecedentes históricos

A Lei Áurea colocou fim à escravidão no Brasil, instituição essa que foi instalada aqui no século XVI pelos portugueses. A princípio, os indígenas foram escravizados, mas, ao longo do tempo, os africanos trazidos por meio do tráfico negreiro tornaram-se o principal grupo escravizado aqui. A escravidão indígena foi abolida em 1757, por meio do Marquês de Pombal.

Os escravos foram trazidos ao Brasil por meio do tráfico negreiro, modalidade de comércio que comprava africanos na costa do continente africano e revendia-os na América como escravos. O Brasil foi o país que mais recebeu africanos escravizados na história, e as estatísticas dos historiadores apontam para 4,8 milhões de africanos desembarcados aqui.

Depois da independência, a escravidão foi ampliada e a quantidade de africanos trazidos pelos navios negreiros aumentou consideravelmente. O fortalecimento da escravidão após a independência foi acompanhado da ampliação da resistência dos escravos, sendo a Bahia um desses locais.

Saiba mais: Diferença entre escravização indígena e africana

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Depois de proibido o tráfico negreiro a partir da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, foi iniciado um processo de transição que ficou marcado pelas tentativas dos escravocratas de barrarem o avanço da causa abolicionista. O movimento abolicionista, por sua vez, ganhou força considerável após o término da Guerra do Paraguai.

A mobilização pelo fim da escravidão foi intensa e alcançou diferentes grupos da sociedade brasileira, tais como advogados, escritores, grupos das classes populares, além do envolvimento dos próprios escravos, que, por meio das suas formas de resistência, contribuíam para o enfraquecimento da escravidão. Entre essas formas estavam as fugas, revoltas, formação de quilombos etc.

O enfraquecimento da escravidão na segunda metade do século XIX foi sensível, e os dados trazidos pelo historiador João José Reis mostram a queda da população escrava no Brasil nesse período|1|:

  • 1818: 1.930.000

  • 1864: 1.715.000

  • 1874: 1.540.829

  • 1884: 1.240.806

  • 1887: 723.419

No final da década de 1880, a situação estava insustentável, já que imagem internacional do Brasil estava prejudicada, pois esse era o último país do Ocidente a ainda permanecer com o trabalho escravo. Além disso, as fugas e revoltas de escravos multiplicavam-se, e isso ameaçava sua ordem, uma vez que o Exército havia se recusado a continuar procurando escravos fugidos.

Com essa situação, parte dos grandes nomes do Império optou por apoiar a abolição, e isso levou o político João Alfredo a propor a abolição sem restrições. O projeto foi apresentado dia 9 de maio de 1888, aprovado no Senado e assinado pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Com a lei, os escravos conquistaram sua liberdade sem restrições e os senhores de escravos não receberam indenização.

A vida dos agora ex-escravos no período pós-abolição foi caracterizada por desafios, uma vez que o preconceito na sociedade brasileira era aberto e porque não existiram iniciativas que dessem melhores condições àqueles que conquistaram sua liberdade.

Veja também: Quilombo de Manoel Congo

Os dias seguintes à abolição

A tramitação da Lei Áurea foi acompanhada de muita expectativa, e os relatos dos historiadores reafirmam a mobilização popular pela aprovação da lei. As ruas do Rio de Janeiro ficaram tomadas de pessoas e houve grande aglomeração ao redor do Senado e do Paço Imperial. O mesmo aconteceu em outras regiões do Brasil, como na Bahia, onde escravos reuniram-se em locais onde havia jornais e telégrafos, à espera de notícias sobre a aprovação da lei.

Depois que a lei foi aprovada, a festa espalhou-se pela capital e pelo Brasil. Sua validação aconteceu por volta das 15 horas, e a festa no Rio de Janeiro varou a noite e estendeu-se por dias. Houve passeatas na rua, gritos de comemoração, discursos públicos etc. O que também aconteceu em cidades como Salvador e Recife, que tiveram suas ruas tomadas por passeatas realizadas pelos abolicionistas.

Em Salvador, as comemorações também duraram dias, e existem inúmeros relatos que retratam as festas populares e as reações daqueles que defendiam o abolicionismo. O historiador Walter Fraga traz o relato de um militante do movimento abolicionista chamado Manoel Benício, que chorou copiosamente quando soube da notícia da abolição da escravidão.|2|

Muitas das comemorações mesclaram-se com procissões religiosas e com celebrações típicas de determinados locais. Em Salvador, muitos escravos realizaram uma romaria à Igreja do Bonfim como forma de agradecer a conquista, e muitas das festas realizadas na cidade resgataram características da festa de 2 de julho (concretização da independência da Bahia de Portugal durante as guerras de independência).

As festas tiveram amplo envolvimento dos libertos e foram efusivas em todas as partes do Brasil. A grandiosidade das comemorações é explicada pelo historiador Walter Fraga sob o argumento de que a abolição representava a vitória do movimento popular, além de trazer a expectativa por dias melhores para os ex-escravos e para o país.|3|

Além disso, sobre o grande envolvimento dos libertos nas comemorações pós-abolição, Walter Fraga argumenta que os ex-escravos sabiam que estavam vivendo um grande momento e que seu envolvimento com as festas denotava o desejo desses de participarem como cidadãos livres das questões políticas do país.|4|

Acesse também: A maior revolta de escravos da história do Brasil

A vida dos ex-escravos após a abolição

Como citado, a primeira reação dos libertos foi a de comemorar, e as festividades espalharam-se pelo país à medida que a notícia era difundida. A vila de Santa Rita do Rio Preto (atual Santa Rita de Cássia), na Bahia, só fez o anúncio oficial da Lei Áurea no dia 7 de junho de 1888. Passada a euforia, os historiadores contam que muitos escravos partiram em busca de seu sustento.

O historiador Walter Fraga, utilizando a região do Recôncavo Baiano como exemplo, sustenta que parte considerável dos libertos optou por mudar-se de local.|5| Com isso, muitos libertos optaram por obter seu sustento longe do lugar onde foram escravizados. Isso acontecia porque eles queriam distanciar-se desses lugares sinônimos de tanto sofrimento, enquanto outros iam à procura de parentes para estabelecer-se junto desses.

Havia aqueles que queriam apenas procurar outro sustento para conquistar um bom salário. Foi o que fez o criado do barão de Vila Viçosa que, depois da Lei Áurea, manifestou ao seu antigo senhor sua decisão de que não seria mais criado, pois desejava encontrar uma nova forma de sustentar-se. Esse mesmo barão ainda presenciou seu engenho parar de funcionar, pois seus antigos escravos haviam se mudado para a cidade de Santo Amaro.|6|

Essas migrações eram realizadas em grande parte por homens jovens, que tinham melhores condições para o trabalho braçal e de estabelecer-se em uma terra própria. Mulheres com filhos e idosos eram os grupos com menores possibilidades de mudança. Tal movimentação, porém, levou a uma reação dos ex-senhores dos escravos.

Muitos ex-senhores começaram a mobilizar as autoridades para reprimirem os libertos sob os argumentos de vadiagem e vagabundagem, e os alvos eram, principalmente, os libertos mais “insubordinados”. Outros senhores acionavam a Justiça para garantirem a tutoria dos filhos de libertas, a fim de que elas permanecessem. Outros simplesmente ameaçavam seus ex-escravos, impedindo-os de mudarem-se.

Foram muitas as reclamações dos ex-senhores de escravos perante a libertação dos escravos. Eles não estavam satisfeitos por verem sua autoridade construída pela escravidão ter sido desfeita com a abolição e manifestavam isso sob a alegação de “desorganização do trabalho”. Os senhores estavam insatisfeitos porque os libertos não aceitavam mais qualquer condição e exigiam salário para trabalhar. Muitos desses senhores cometeram suicídio após o Treze de Maio.

Os libertos, de imediato, manifestaram que não mais aceitariam os tratamentos que lhes eram dedicados anteriormente. Muitos não aceitavam mais trabalhar para seus senhores sem o pagamento de um salário, e até mesmo a forma como tratavam seus ex-senhores mudou. Isso foi interpretado pelos ex-senhores como insolência.

Apesar dos libertos procurarem abertamente as melhores condições para si, eles permaneceram ocupando uma posição marginal na sociedade brasileira. A falta de acesso à terra foi uma questão fundamental, pois a Lei Áurea não veio acompanhada de uma reforma agrária, o que forçou os libertos a permanecerem trabalhando em ofícios com baixas remunerações.

A falta de acesso ao estudo também foi algo determinante, pois, sem esse alcance, esse grupo não teve grandes oportunidades de melhorar sua vida. Politicamente falando, os ex-escravos também foram silenciados por uma lei de 1881, conhecida como Lei Saraiva. Essa lei estipulava que o voto era direito daqueles que possuíssem renda anual de 200 mil-réis e vedava a participação de analfabetos — condições essas impossíveis para muitos libertos.

Veja também: A história de três grandes abolicionistas negros

|1| REIS, João José. Nos achamos em campo a tratar da liberdade: a resistência negra no Brasil oitocentista. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira. São Paulo: Senac, 1999. p. 245.
|2| FRAGA, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 121.
|3| FRAGA, Walter. Pós-abolição: o dia seguinte. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (Org.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 353.
|4| FRAGA, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 122.
|5| FRAGA, Walter. Migrações, itinerários e esperanças de mobilidade social no recôncavo baiano após a abolição. Cadernos — trabalho e política. Acesso em: 30 abr. 2019. Para acessar, clique aqui.
|6| FRAGA, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 128-129.

Publicado por Daniel Neves Silva

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